quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Ópera

Início

A vida dorme no porão da minha consciência.
Enquanto isso,
minha alma insurge-se contra meu corpo,
em cortes rápidos e furiosos.
Diante do mar em fúria das minhas ideias céticas,
construo minha pequena canoa...
quanto desgaste...
e num impulso imediato,
como numa reação involuntária dos meus músculos,
eu me lanço violentamente contra a grande onda.


Início II
De repente, a vida me arrebata covardemente
e quando me dou conta,
estou deitado no chão da varanda.
eu não quero beber, não quero fumar ou mesmo festejar...
quero apenas encarar os monstros de tijolo, cimento e cal
que me rodeiam...
e o eterno tilintar das estrelas acima de mim.
Início, Meio e Fim
Olhos de solidão. Dorme o Homem.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Prece

horas devoradas pela realidade,
o Homem da Capa Preta ataca novamente
com seu toque de sombra e seu olhar de censura
orai, irmãos!
somos a face obscura,
o elo perdido...
esperamos o braço nunca estendido
rezem, irmãos!
não há liberdade fora do sonho.


Guilherme.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Prefácio

Não há luz na estrada. Tenho os pés grandes de tanto caminhar. Rumo a tudo que eu não vejo, rumo ao nada. Vejo vultos e sonhos pelo chão, em pedaços, migalhas. Tenho cortes nas mãos e as roupas imundas. Maltrapilho. Pele queimada das horas de dor, olhos aflitos, coração inerte. Quedou-se minha prosa, meu lirismo, meu pôr-do-sol é negro e sarcástico. Durmo na grama verde, embaixo de macieiras. Passa um passarinho, passam dois, quem fica aqui é porque não sabe voar. Eu não vôo, embora sonhe. Emprego não, família não, fortuna não (desconhecida, até o momento). De mim, sei quase nada, dos outros menos ainda, e em nada deixo de perder. Não há vida fora da dúvida. Ego, superego,alterego. Quanto ego! Não conto com a sorte. Nem com azar. Fé, poder, equilíbrio, auto-ajuda, bla,bla, bla. Displicência quanto ao supérfluo. Displicência acima do bem e do mal. Bem. Mal. Tudo a mesma coisa. Coisa: tudo aquilo que não tem nome (esqueci o autor dessa frase). Eu tenho mil coisas na minha cabeça, no meu peito. Coisas que esqueço o que são, que não sei o que são. E que prefiro nem dar nome. Não sei se fui claro. Espero que não.


terça-feira, 8 de setembro de 2009

Tenho muitas coisas mal resolvidas. Cartas a responder, palavras nunca ditas, sentimentos nunca sentidos, enfim, todo tipo de assuntos pendentes. Possuo uma dívida eterna comigo mesmo, dívidas esta que eu procuro, através de todas as maneiras, quitar. Mas parece que é impossível. Como num daqueles quebra-cabeças que falta uma peça, e você tenta num impulso infantil de querer resolver algo de qualquer maneira, substituir a peça ausente por qualquer outra do quebra-cabeças. Mas isso é impossível. A peça, assim como todo sentimento, é único e insubstituível. O que pode ocorrer são apenas meras semelhanças, como entre o desamor e o desprezo, mas nada que possa vir a preencher a lacuna deixada por algo que nunca existiu.

- Você sofre de antropofagia sentimental crônica. Sim, sim. Daí explica-se a constante sensação de vazio em seu estômago e o estado de sonolência nas horas solitárias do dia. Todas as horas são solitárias? Sim, senhor, talvez a melancolia das multidões cause em você essa solidão. Paradoxal? Com certeza, mas se fosse coerente não seria uma patologia, certo? Assim que houver um tratamento adequado, você será avisado, senhor. Passar bem.

sábado, 29 de agosto de 2009


O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.




Fernando Pessoa - Autopsicografia

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Você vai entrar pela porta que eu deixei entreaberta, há uma hora que eu não descolo os olhos da luz de neon do hall que se filtra como um prenúncio da tua chegada. Antes de você chegar como uma nuvem que vem na frente, antes de você chegar eu ouço tua ansiedade vindo, tua luz, teu som nas ruas...



Eu sei que vou te amar - Arnaldo Jabor

domingo, 23 de agosto de 2009

O grande homem atravessa o portão branco. Apesar das longas pernas que a altura lhe confere, ele tem os passos curtos. Anda numa lentidão melancólica, uma névoa de pesar afunda seus ombros. Ele tira os óculos escuros e os olhos verdes da cor de musgo mais pareciam um pântano, onde o "Gigante" deixou-se naufragar. "A benção, pai", um beijo na testa do velho. E parece que seu pai o compreende, embora finja não compreender. O velho viu que seu filho sangra, e o sentimento de incapacidade talvez justifique seu fingimento. O Gigante caminhou em minha direção e eu fiquei na ponta dos pés para alcançar-lhe o rosto. E ali eu pude sentir a sua tristeza, pois ela era proporcional ao seu tamanho. Nada perguntei a ele, nem a ninguém, e nem um comentário fui capaz de fazer. Senti-me um pequeno covarde diante da tristeza do grande homem. Deus, como dói ver quem se ama sofrer...!

domingo, 2 de agosto de 2009

O mundo em um minuto

Diante do infinito das almas
sento-me em meu chão de nada
e ponho-me a analisar tudo que vejo
sou refém de todos os detalhes sórdidos que percebo
vejo o mundo em órbitas,
formas giratórias
vivo no intenso caos de cada hora.


por Guilherme .

terça-feira, 7 de julho de 2009

Sortilégio

Eu vi teu fantasma ontem
tu... que és minha razão, minha loucura
o quebra-cabeças que eu nunca vou desvendar.
Tu que te impõe pelo mistério
doce e cítrica,
dona de si e dos outros
vivo a ponderar tua presença,
do mal que me faz saber que não te decifro
e por não te decifrar, te temo,
no mundo que vivo de olhos abertos,
mas sempre na escuridão.

domingo, 31 de maio de 2009

Acordei assim... meio moribundo
nas mãos, apenas aquilo que eu não posso carregar
nos ombros levo um mundo
de todas as coisas que eu não sei amar.


por Guilherme

domingo, 24 de maio de 2009

"Coração, toma jeito
Bate mais devagar em meu peito
Deixa a mania do amor
Se sou feliz ou infeliz
Pouco importa, só o que conforta
É ter vivo esse meu coração. "

Vinícius de Moraes.

domingo, 17 de maio de 2009

- Não existe coincidência maior que o destino.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Abstração

Acontece de nos momentos de dor,
despir-se da pele sufocante do dia-a-dia
dos momentos urgentes faz-se o drama dos dias findos
na vida que passa,
acontece de passar frio no verão
e calor no inverno,
é do leque da vida inverter-te as estações
é de fazer-se sombrio o que antes clamava ardor
assim como se faz cálido aquilo que antes vivia de tédio
para cada ladeira há uma escolha
que é de subir ou descer,
a depender do viver
há sempre alguém embaixo da árvore, num lugar à sombra
enquanto há milhares em busca de um lugar ao sol
não há certo ou errado pra quem escolhe
há o errado para os que, inertes,
tombam ante às fatalidades cotidianas
nao existe o perdão, pois ele a ninguém pertence
senão a quem o pede.
É do feitio de mim,
sonhar assim,
com sofreguidão,
num curto espaço de universo
entre a alma e o coração.

por Guilherme.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Vinícius de Moraes - Dialética

É claro que a vida é boa
e a alegria a única indizível emoção.
É claro que te acho linda
e em ti bendigo o amor das coisas simples.
É claro que te amo
e tenho tudo para ser feliz...


Mas acontece que sou triste...

quarta-feira, 22 de abril de 2009

"Eu ligo o rádio e bla bla... bla,bla,bla,bla..."

Hoje eu resolvi esquecer os números, as estatísticas e as probabilidades. vamos lá, vamos criar alguma coisa diferente. eu sei que você consegue. libertar-se do cabresto da realidade, desviar dos cuspes daqueles de visão límpida e vida dogmática. vamos lá, esqueça que depois do ponto vem uma letra maiúscula, que a vírgula separa duas palavras que dizem menos que um piscar de olhos. vamos lá, esqueça o mundo fático e suas provas e insipidez. no surreal, moram todas as idéias brilhantes, tudo quanto se precisa pra viver. aqui, no real, só reside aquilo que se precisa para sobreviver. não espere o dia em que você vai acordar desejando dormir. não há amanhã pra quem não sonha. não há amanhã pros de coração enegrecido, pra quem nunca andou de cadarço desatado e pra quem nunca fitou o infinito do céu noturno, como quem acaba de nascer. o dia é hoje. a hora é agora.
e ai, qual a probabilidade de você fazer o que eu te peço?

"i try my best to be just like i am
but everybody wants you to be just like them
i ain't gonna work on Maggie's farm no more."

por Guilherme .

terça-feira, 7 de abril de 2009

São tantas horas, tantos olhares cínicos e tantas máscaras
que nós nos acostumamos a ter mil facetas.
Assim, eu me consumo diariamente,
numa cruel antropofagia que me divide em mil pedaços,
em pequenos recortes extremos,
por vezes pálidos, por vezes cálidos.
O rebelde,
o romântico,
o sádico,
o impetuoso,
o complacente,
o orgulhoso.


.

"Por isso indiferente entre os triviais e os vis
Passo, guardado em mim. Os olhares sutis
Apenas decompõem em postiças verdades
O que de mim se vê nas exterioridades.
Os que mais me conhecem ignoram-me de todo."

Fernando Pessoa

por Guilherme.

terça-feira, 31 de março de 2009

Carta para Paula

Querida Paula, é com imensa inquietude que lhe escrevo hoje. Sinto o universo arremessar-se sobre meus ombros e, involuntariamente, olho para trás e tenho um vislumbre de um mundo que fui forçado a abandonar. Um mundo onde morei por três dias e meio, mas que me causa hoje uma saudade de décadas vividas. Hoje, sinto-me estranhamente deslocado, como se um "acaso proposital" tivesse me desencontrado do meu verdadeiro lar e me remanejado para um casebre frio e inóspito. O sentimento que tenho não é o de "lar, doce lar", e sim de uma fuga inesperada, um rapto com aquele gosto amargo de separação. Sou como um estranho em minha própria casa, querida amiga. O que faço? Não contava com esta vontade de retornar, de sentir a mim mesmo novamente. De repente, abateu-me essa coragem desentranhada de descomprometer-me com tudo e com todo o presente, empacotar algumas roupas e voar de volta para lá. A que horas sai o próximo vôo? Você estará lá para me receber? Só necessito de uma mão que me mostre o caminho até aí! Sinto que estive bem próximo do meu destino e até toquei-o, mas de tão estranhamente familiarizado que estava com ele, eu nem o percebi. Fiquei ali, perplexo, permitindo-me viver, sem restrições e passagem de volta. Entrei pela "toca do coelho", lançando mão de todo o necessário para perder-me... e perdendo-me, acabei achando-me. Vi em cada rosto desconhecido a expressão de um futuro inimaginável, cheio de variantes (e todas a meu dispôr), bem do jeito que eu gosto. Em cada esquina, vi cenas de um cotidiano inédito, desafiando todas as probabilidades. Só sei que há poucos dias me foram entregues entradas para um mundo no qual eu nunca tinha, em sã consciência, pisado antes. E talvez, eu ainda esteja por lá...

"É bom, às vezes, se perder sem ter porque, sem ter razão..."

por Guilherme.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Hoje eu visitei meu antigo lar. O lugar que durante 13 anos eu chamei de lar, onde eu pisava o chão frio com uma familiaridade ímpar. Onde eu espalhava meu brinquedos e tentava em vão alcançar a mesa com meus pequenos dedos nervosos e infantis.
Andei durante uns 20 minutos eternos pelo meu antigo prédio e foi como se fantasmas sussurrassem lembranças no meu ouvido o tempo inteiro. A noite estava misteriosa e em alguns momentos eu até fantasiei uma certa neblina, e por trás dela, eu via minha infância passando em películas. Pés descalços e sujos de terra, joelhos arranhados... carros estacionados e bolas de futebol, num mundo perfeito que eu mesmo havia construído, como aqueles castelos de areia na praia.
Pisei calculadamente na garagem, onde duas garotas de mais ou menos 7 anos brincavam descontraídas, sem nem notar a presença desse fantasma que ali passava, e que um dia já desfrutou da mesma alegria impúbere que elas tinham naquele momento, naquele exato lugar. Elas pulavam distraídas e sorriam, sorriam o mundo das despreocupações e da displiscência da idade. Admito que senti uma ponta de inveja daquelas duas menininhas... despidas da complexidade do mundo adulto e da malícia cruel da "pós-infância". Sou um saudosista profissional...
E assim, caminhei mais alguns metros. Os minutos se arrastavam generosamente, me dando a oportunidade de me deixar ali no meu antigo lar, numa alegria extática. Por alguns momentos, eu transcendi. Por alguns momentos, eu me despedi do presente e submergi nas minhas memórias e lá me deixei afogar.
Então, percebi que chegara minha hora de sair de cena, de voltar ao insípido presente, pois nele me prendo por razões de uma logística igualmente insípida: não posso voltar nos anos. Assim, me despedi das garotinhas lançando-lhes um olhar nostálgico, irônico, de quem sabe que o tempo corre mais rápido do que o relógio indica, e que os ponteiros andam no ritmo que a máquina funciona, pois são apenas paliativos para a dor que nós temos de não poder controlar o passar dos dias.
E com passos de fantasma, ainda atrelado a minha alma de menino, andei lentamente em direção ao portão dizendo baixinho para não perturbar os sonhos de criança que por ali vagavam: "Adeus, garotinhas... adeus".

"may you stay... forever young." Bob Dylan

por Guilherme.

terça-feira, 17 de março de 2009

Ilusão sem ótica

"Sometimes I feel very sad
can't find nothing I can put my heart and soul into
Sometimes I feel very sad
I guess I just wasn't made for these times"

(The Beach Boys)


Eu simplesmente não encaixo.
tranco as portas, acendo as luzes,
mas simplesmente não me acho.
faço silêncio, me calo
e ainda assim,
continuo invisível.
vivo num outro plano,
pairo numa dimensão
num futuro próximo do distante,
a anos e anos daqui
numa sempre errante ilusão.


por Guilherme.

sábado, 14 de março de 2009

Herbert Vianna - Bom, posso cantarolar algo pra passar o tempinho?

"Eu queria ver no escuro do mundo
onde está tudo que você quer
pra me transformar no que te agrada
no que me faça ver
quais são as cores e as coisas pra te prender..."

E passou-se um tempo... um bom tempo. Aliás, um mau tempo.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Para Hugo Silva Quintas.

Meu primo boêmio,
há tempos nossos corações batem afins.
Nem teus retornos constantes ao teu lar,
aquele que depois de ido
tu escolheste amar; fazem assim diminuir
esse amor que bate à minha porta para nos unir.
Saiba que sonho com nossas aventuras; e também nossas desventuras
aquelas que vivemos em nossa eterna infância,
marcada por infinitas andanças e vislumbres de um mundo em nossas mãos.
Perdoa esse teu primo, esse teu irmão,
que te escreve imerso em lágrimas, esses versos em dó-maior para teu dia,
este teu amigo que deixa refletir nos olhos a saudade desentranhada de ti.
Tu me conheces! Sabes de minha emoção incontida;
e que a nostalgia, por vezes me pega desavisado.
E nós somos dois afetados pela Poesia mundana,
somos almas afins, em comum destino
e entre nós há a certeza do amor
maior que o parentesco, maior que a dor da saudade
que talvez um dia, alguma espiritualidade
venha a explicar.

Do teu irmão, que seria capaz de dispôr de tudo quanto fosse necessário à felicidade dele, para ainda poder acompanhar quantos dias "10 de março" o destino nos vier presentear. Guilherme Carvalho Cavalcante Oliveira.

segunda-feira, 9 de março de 2009

"Seguramente não sou eu:
É a tarde, talvez, assim parada
Me impedindo de pensar.
Ah, meu amigo
Quisera poder dizer-te tudo; no entanto
Preciso desprender-me de toda lembrança; de algum lugar
Uma mulher me vê viver, que me chama
Devo segui-la, porque tal é o meu destino.
Seguirei todas as mulheres em meu caminho, de tal forma
Que ela seja, em sua rota, uma dispersão de pegadas
Para o alto, e não me reste de tudo, ao fim
Senão o sentimento desta missão e o consolo de saber
Que fui amante, e que entre a mulher e eu alguma coisa existe
Maior que o amor e a carne, um secreto acordo, uma promessa
De socorro, de compreensão e fidelidade para a vida."

Vinícius de Moraes - Elegia ao Primeiro Amigo

quinta-feira, 5 de março de 2009

Enquanto isso, lá em cima...

Hoje sou meu próprio céu,

e minha aurora tem mais cores
que as pobres horas das tardes vazias.
No meu céu pairam cometas e Três-Marias,
nas minhas nuvens
diluo minhas lágrimas e meus objetos esquecidos,
que aos poucos, como pequenos comprimidos,
eu deixo escapar.
No vão que é meu céu,
correm sentimentos estranhos, raios e trovões
fugazes e poderosos,
como as paixões que um dia vivi.


por Guilherme.

quarta-feira, 4 de março de 2009

"Sinto-me forte contra a vida inteira
Neste momento.
A mim mesmo tomei a dianteira.
Sinto que não há em nada,
noite ou vento
Que estorve a minha vida aventureira."

Fernando Pessoa.

No meio desse turbilhão de emoções, mora meu coração. Cercado de forças extremas e absolutas que não faço a mínima questão de controlar. :)


por Guilherme.

segunda-feira, 2 de março de 2009

O Rei

E o instante de desespero
essa noite fez-se infinito.
Chamem o rei dessas terras,
que hoje seu reino vai saber o que é a dor.
E esse rei, que aqui vos fala,
qual um plebeu, derrama seu pranto
e com ele choram todos os seus súditos,
refletindo-se em cada olhar a solidão
que tal qual uma lei,
baixa no coração da realeza.

.

Eu não entendo. Não sei. Não sei o que me faz vir aqui toda noite escrever. Não sei porque escrevo. Sei que todas noites, me desperta um monstro, desentranhado do meu ser. Um monstro que me corrói os sentimentos e me compele para a solidão... meu carma, meu estigma. Eu traço planos, desenho casas e ruas cheias de jardins coloridos. Mas nada disso me pertence. São apenas imagens retiradas de um quadro de Van Gogh ou de um filme de romance. Ahh, os romances...! Acho que sou o legítimo poeta "fingidor" de Fernando Pessoa, que "chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente". Sou um mentiroso. Não creio em mim mesmo, mas discordo daqueles que me desacreditam. Sou hipócrita. Mas amo! Amo muito. Amo com uma violência silenciosa, daquelas arranha o estômago. Sou enfático. Se amo, amo com a certeza daqueles que não têm outra opção e para os quais o amor ainda é o mais amargo remédio. E sofro. Sofro como um mártir que nao cabe a si desenhar seu destino. Sofro porque tenho que sair de casa todo dia no mesmo horário, porque meu carro está sempre na mesma garagem, porque meu telefone nunca muda, porque sempre me ligam as mesmas pessoas, sofro com todas as banalidades do cotidiano. Sei exatamente a hora do dia em que começa a chover, e finjo que esqueci de fechar a janela do meu quarto, só pra deixar molhar. Às vezes, cogito variar os meus pecados, pra ver se não me afogo nesse tédio.
Ah, como me cansam os afazeres do homem mediano que finjo ser!

por Guilherme.

domingo, 1 de março de 2009

Queria dizer aqui algumas palavras que extrapolassem o óbvio. Que fossem além da aurora e derrubassem a barreira do tempo. Queria virar uma ampulheta de cabeça pra baixo e voltar para tempos que nunca vivi. Amores proibidos e despedidas solenes, pois sei que o horizonte é mais do que apenas um véu para o infinito. Quero uma mulher a repousar em meus sonhos. Uma mulher que me desvie do meu caminho... e que seja doce desviar-se. E mais: quero-a drástica, repentina! É disso que preciso. Neste momento, vivo a agonia dos dias ordinários. Eu quero um relógio que não marque as horas e um poema sem versos, sem nexo, onde eu possa me perder em meios às palavras soltas e às fantasias de carnaval que eu mesmo criei.
Como disse meu amigo Lucas: "o nosso leste é para poucos".

.

Sabe quando você acha que perdeu
sem ao menos ter lutado?
Que cada parte do seu futuro
é um reflexo do passado.
Você finge que esquece,
finge que não tem amor nesse coração.
Mas nem tudo que você leva consigo
está guardado na palma da sua mão.



por Guilherme.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Anatomia

Hoje as tuas pegadas me parecem tão distantes do meu caminho... "De repente, não mais que de repente..." .

.


Percorro lentamente os caminhos do teu corpo.
Respiro, um por um, cada pêlo teu
e deixo-me entorpecer, porque és linda.
Tão linda que chegas a ser cruel.
Toco teus dedos, sentindo teus frémitos
e rio, rio...
Navego em teus espaços
e adentro cada ângulo do teu ser,
vivendo dentro de ti, aos poucos,
como numa ilha perdida mora o náufrago solitário.
Cheiro teu suor e gasto teu perfume com meus lábios.
Que larápio sou eu?
Arranho-te a pele até chegar ao reino absoluto de tua alma.
Vejo teu seio palpitar e invado teu peito...
respiras em meu ouvido,
dizendo-me coisas insanas, hereges!
Deixo escorrer entre meus dedos teus cabelos, em plumas,
e sinto, entorpecido, o sal da tua saliva.
Um oceano, onde eu me afogo.
Suspiro em ti e tu em mim,
assim mesmo, em uníssono, numa louca sinfonia.
Leio teu olhar e nos fitamos por um segundo eterno.
Tuas coxas quentes abrigam-se nas minhas,
e teus dedos fincam-se nas minhas costas encurtando nossa distância,
e num momento imodesto, do mais puro pecado,
afloram-se nossos sexos numa explosão universal.


por Guilherme.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

"So I forced my hands in my pockets
and felt with my thumbs,
and gallantly handed her
my very last piece of gum."

A ausência paira no ar. Feito uma nuvem, uma neblina...

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Há um perigo imediato.
Um sentimento que urge, ruge, implora meu olhar desatento.
Há um coro de vozes clamando a minha passagem
e um véu invisível me separando de tudo que quero tocar.
Há um telefone histérico que não me deixa dormir
e uma canção que eu não pedi pra escutar.
Há um relógio no horário de verão e eu, mendigo, nem imagino em que estação.
Há um crime a ser investigado e eu sou o principal suspeito.
Há um amigo com um punhal atravessando um caminho estreito.
Há um vulto acampando em meu quarto
e embaixo dos livros nenhum álbum de retratos.
Há um parente apaixonado que mora perto
e um odor sutil de incesto.
Há hipocrisia, um sorriso e há cinismo...
Há um órfão morando em um abismo.
Há um baú de tesouros com um vilão sentado em cima.
Há um herói em um quarto usando heroína.
Há uma flecha fincada no alvo.
E tem o hippie que um dia já foi calvo.
Há uma enorme controvérsia!
E um tapa de fumaça, nada que exija pressa.
Há um "acorde solto no ar", uma mulher de top less.
Sem sol, sem pudor e sem mar.
Há um justiceiro em crise existencial
e um homem que não samba... um corno em potencial.
Há um desastre da natureza, uma erosão, uma tempestade...
Inventaram o niilismo e nenhuma verdade.
Há uma mulher e seu captor.
Há Síndrome de Estocolmo e um drástico amor.
Há um rei, uma rainha e um plebeu.
Há um cidadão exigindo o que é seu.
Há um cético, uma mulher e um Édipo.
Há longas jornadas, honras, méritos...
Há uma impúbere deitada com a mão no sexo.
Há outra mulher que sussurra arrependida: "eu não presto, eu não presto...".
Há um político no limite da loucura.
Para eles: eutanásia, whisky e a cura.
Há ventos, sonhos e um albatroz.

Há um homem a ler o Poeta... A poesia é seu algoz.


por Guilherme.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Deixarei perder-se em mim a tua sombra,
teus segredos em meio a neblina da minha alma.
Descansa em meu ombro.
Há um rei, que, solitário me reina.
Um rei sem súditos, um estranho sem cor.
Até que tu entraste.
Como uma força da natureza,com um ímpeto infantil e descontrolado...
Descansa em meu ombro.
Pois só a tua voz pode calar as vozes que gritam dentro de mim,
e querem romper o silêncio que a insônia me traz.
Tu que trazes nos olhos teu próprio silêncio,
aquele que precede a tragédia.
Descansa em meu ombro,
pois se não for em meu ombro, já não será mais.
Vejo em ti a aurora dos dias não vividos,
como se em meus sonhos, eu conseguisse prever tua vinda
e por alguns instantes,
o mundo todo em meus ombros descansa... feliz.

É isso aí, companheiro. E assim, nos primórdios da vida, Deus criou o amor. Num Big Ben, um insight que teve o nosso Senhor. Fez-se o amor, ainda tímido e acanhado pela juventude. O amor é como o equilibrista caminhando sobre a corda. O amor vive na linha tênue entre o êxtase absoluto da platéia e a tragédia da queda.


por Guilherme.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Vou postar aqui dois versos de autoria de um irmão meu. São poucas palavras, mas para mim, valem mais que ouro.

Seu espírito moleque hoje anda leve, sem carona de pileque.
Pelo mundo vai andando, assobia o moleque malandro.

"Olha aí, ai o meu guri, olha aí!" :)



quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Às vezes eu me sinto num Big Brother. Você não? A todo momento somos testados, tem sempre alguém num grau acima de nós na "cadeia da sabedoria" pronto pra julgar e nos remanejar pro nosso devido lugar na sociedade. Você tem que provar que pode passar de série, provar que pode estar em faculdade, provar que pode dirigir na rua sem atropelar ninguém... Existem aqueles "juízes" que são pagos pra te aprovar ou não pro convívio social. São professores, avaliadores, etc. Mas e quanto àqueles que mantém sobre nós um cortante olhar crítico, controlador, com o intuito de nos regular? Quem os paga? Você não se sente por vezes levado pela multidão? Como se um furacão te jogasse dentro da vala comum?
Eu acho que vale à pena ser subversivo quanto à postura social que recebemos na cara, como se fosse uma colher cheia daquele remédio amargo que a sua mãe te obrigava a tomar quando criança. "Mente anarquista", como me disse um amigo. Reinventar-se. A mesmice é a maldição trazida pela "superinformação", como a internet e a televisão, que dissemina entre nós um padrão de comportamento, um tipo de know-how para viver pacificamente entre os seres da mesma espécie.
Eu acredito que dentro de todos nós mora algo como um bicho que vive por seus impulsos naturais, mas ele fica acorrentado e com grilhões pesados como a consciência daquelas pessoas que se auto-controlam arduamente para pensarem e agirem da mesma forma sempre. Exatamente igual ao seu vizinho e assim sucessivamente. "Just another brick in the wall".
Ahh... e quanto ao comentário que eu fiz no começo do texto sobre Big Brother: é uma merda, eu odeio Big Brother.

Músicas:
. Bob Dylan - Ballad of a thin man
. Cazuza - Blues da Piedade

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O Poetinha Vagabundo


Inigualável. Pra mim, o maior poeta que o Brasil já viu. Dá vontade de pôr aqui dezenas de poemas e músicas de Vinícius de Moraes que me marcaram. Quem conhece apenas o "mas que seja infinito enquanto dure" do Soneto de Fidelidade não sabe o que tá perdendo. Vale à pena mergulhar na obra de Vinícius!

sábado, 24 de janeiro de 2009

Déjà vu

sem saber o que me espera,
eu sigo em frente, sempre contra a correnteza
esperando, impacientemente, por um surto de felicidade
sou imediatista, quero viver algo maior agora,
não quero esperar até amanhã,
pois tenho medo de acordar com saudades daquilo que nunca vivi
desejo algo novo, mas às vezes canso de esperar
será que chegará um dia em que eu nao desejarei mais nada?
às vezes, penso que minha vida é uma série de déjà vu
dia após dia, vejo cenas que já vi antes,
só que de uma forma um pouco diferente...

e essa mínima diferença é que me faz sonhar com mais... e que ao mesmo tempo me sufoca.

"Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto. Esse eterno levantar-se depois de cada queda. Essa busca de equilíbrio no fio da navalha. Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo infantil de ter pequenas coragens."

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Cazuza - Down em Mim

Eu não sei o que meu corpo abriga nessas noites quentes de verão
e nem me importa que mil raios partam qualquer sentido vago de razão
eu ando tão down...
outra vez vou te cantar, vou te gritar, te rebocar do bar
e as paredes do meu quarto vão assistir comigo a versão nova de uma velha história
e quando o sol vier socar minha cara, com certeza você já foi embora
eu ando tão down...
outra vez vou me esquecer, pois nessas horas pega mal sofrer
na privada eu vou dar com a minha cara de panaca pintada no espelho
e me lembrar, sorrindo, que o banheiro é a igreja de todos os bêbados

Eu ando tão down.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O Astrônomo

A noite estende seu silêncio em minha alma.
As nuvens conduzem-me ao mural infinito de astros,
e sinto reverberar no peito a voz grave da escuridão.
Punho fechado, aguço todos os sentidos...
e eis que num último e aliviado suspiro,
a noite morre em mais uma estação da vida.

"sinto um sorriso no rosto invisível da noite..."

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

"Dentro de nós existe uma coisa que não tem nome. Essa coisa é o que somos.". Pois é, resolvi aderir a mais um meio de "superexposição" que a internet nos oferece. E é com essa frase escrita por José Saramago em seu livro "Ensaio Sobre a Cegueira" que eu decidi começar esse blog. Ela pode nao ser uma sentença das mais elucidativas que eu já li, pelo menos não aparentemente, mas é um tanto quanto sugestiva. Essa frase instiga ao auto-conhecimento, como se insinuasse que o leitor necessita de uma minuciosa investigação sobre seu próprio ser. E não há viagem mais interessante que aquela feita para dentro de si mesmo. E é justamente com essa intenção que "escrevo" aqui. Saber (e aceitar) cada dia mais sobre Guilherme Carvalho Cavalcante Oliveira.
Tudo isso regado a Vinicius de Moraes, Cazuza, Bob Dylan, Pablo Neruda, Chico Buarque, Mario Quintana, Beatles... em resumo, um mosaico de música, poesia e qualquer outra coisa que me desperte o interesse. :)