terça-feira, 31 de março de 2009

Carta para Paula

Querida Paula, é com imensa inquietude que lhe escrevo hoje. Sinto o universo arremessar-se sobre meus ombros e, involuntariamente, olho para trás e tenho um vislumbre de um mundo que fui forçado a abandonar. Um mundo onde morei por três dias e meio, mas que me causa hoje uma saudade de décadas vividas. Hoje, sinto-me estranhamente deslocado, como se um "acaso proposital" tivesse me desencontrado do meu verdadeiro lar e me remanejado para um casebre frio e inóspito. O sentimento que tenho não é o de "lar, doce lar", e sim de uma fuga inesperada, um rapto com aquele gosto amargo de separação. Sou como um estranho em minha própria casa, querida amiga. O que faço? Não contava com esta vontade de retornar, de sentir a mim mesmo novamente. De repente, abateu-me essa coragem desentranhada de descomprometer-me com tudo e com todo o presente, empacotar algumas roupas e voar de volta para lá. A que horas sai o próximo vôo? Você estará lá para me receber? Só necessito de uma mão que me mostre o caminho até aí! Sinto que estive bem próximo do meu destino e até toquei-o, mas de tão estranhamente familiarizado que estava com ele, eu nem o percebi. Fiquei ali, perplexo, permitindo-me viver, sem restrições e passagem de volta. Entrei pela "toca do coelho", lançando mão de todo o necessário para perder-me... e perdendo-me, acabei achando-me. Vi em cada rosto desconhecido a expressão de um futuro inimaginável, cheio de variantes (e todas a meu dispôr), bem do jeito que eu gosto. Em cada esquina, vi cenas de um cotidiano inédito, desafiando todas as probabilidades. Só sei que há poucos dias me foram entregues entradas para um mundo no qual eu nunca tinha, em sã consciência, pisado antes. E talvez, eu ainda esteja por lá...

"É bom, às vezes, se perder sem ter porque, sem ter razão..."

por Guilherme.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Hoje eu visitei meu antigo lar. O lugar que durante 13 anos eu chamei de lar, onde eu pisava o chão frio com uma familiaridade ímpar. Onde eu espalhava meu brinquedos e tentava em vão alcançar a mesa com meus pequenos dedos nervosos e infantis.
Andei durante uns 20 minutos eternos pelo meu antigo prédio e foi como se fantasmas sussurrassem lembranças no meu ouvido o tempo inteiro. A noite estava misteriosa e em alguns momentos eu até fantasiei uma certa neblina, e por trás dela, eu via minha infância passando em películas. Pés descalços e sujos de terra, joelhos arranhados... carros estacionados e bolas de futebol, num mundo perfeito que eu mesmo havia construído, como aqueles castelos de areia na praia.
Pisei calculadamente na garagem, onde duas garotas de mais ou menos 7 anos brincavam descontraídas, sem nem notar a presença desse fantasma que ali passava, e que um dia já desfrutou da mesma alegria impúbere que elas tinham naquele momento, naquele exato lugar. Elas pulavam distraídas e sorriam, sorriam o mundo das despreocupações e da displiscência da idade. Admito que senti uma ponta de inveja daquelas duas menininhas... despidas da complexidade do mundo adulto e da malícia cruel da "pós-infância". Sou um saudosista profissional...
E assim, caminhei mais alguns metros. Os minutos se arrastavam generosamente, me dando a oportunidade de me deixar ali no meu antigo lar, numa alegria extática. Por alguns momentos, eu transcendi. Por alguns momentos, eu me despedi do presente e submergi nas minhas memórias e lá me deixei afogar.
Então, percebi que chegara minha hora de sair de cena, de voltar ao insípido presente, pois nele me prendo por razões de uma logística igualmente insípida: não posso voltar nos anos. Assim, me despedi das garotinhas lançando-lhes um olhar nostálgico, irônico, de quem sabe que o tempo corre mais rápido do que o relógio indica, e que os ponteiros andam no ritmo que a máquina funciona, pois são apenas paliativos para a dor que nós temos de não poder controlar o passar dos dias.
E com passos de fantasma, ainda atrelado a minha alma de menino, andei lentamente em direção ao portão dizendo baixinho para não perturbar os sonhos de criança que por ali vagavam: "Adeus, garotinhas... adeus".

"may you stay... forever young." Bob Dylan

por Guilherme.

terça-feira, 17 de março de 2009

Ilusão sem ótica

"Sometimes I feel very sad
can't find nothing I can put my heart and soul into
Sometimes I feel very sad
I guess I just wasn't made for these times"

(The Beach Boys)


Eu simplesmente não encaixo.
tranco as portas, acendo as luzes,
mas simplesmente não me acho.
faço silêncio, me calo
e ainda assim,
continuo invisível.
vivo num outro plano,
pairo numa dimensão
num futuro próximo do distante,
a anos e anos daqui
numa sempre errante ilusão.


por Guilherme.

sábado, 14 de março de 2009

Herbert Vianna - Bom, posso cantarolar algo pra passar o tempinho?

"Eu queria ver no escuro do mundo
onde está tudo que você quer
pra me transformar no que te agrada
no que me faça ver
quais são as cores e as coisas pra te prender..."

E passou-se um tempo... um bom tempo. Aliás, um mau tempo.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Para Hugo Silva Quintas.

Meu primo boêmio,
há tempos nossos corações batem afins.
Nem teus retornos constantes ao teu lar,
aquele que depois de ido
tu escolheste amar; fazem assim diminuir
esse amor que bate à minha porta para nos unir.
Saiba que sonho com nossas aventuras; e também nossas desventuras
aquelas que vivemos em nossa eterna infância,
marcada por infinitas andanças e vislumbres de um mundo em nossas mãos.
Perdoa esse teu primo, esse teu irmão,
que te escreve imerso em lágrimas, esses versos em dó-maior para teu dia,
este teu amigo que deixa refletir nos olhos a saudade desentranhada de ti.
Tu me conheces! Sabes de minha emoção incontida;
e que a nostalgia, por vezes me pega desavisado.
E nós somos dois afetados pela Poesia mundana,
somos almas afins, em comum destino
e entre nós há a certeza do amor
maior que o parentesco, maior que a dor da saudade
que talvez um dia, alguma espiritualidade
venha a explicar.

Do teu irmão, que seria capaz de dispôr de tudo quanto fosse necessário à felicidade dele, para ainda poder acompanhar quantos dias "10 de março" o destino nos vier presentear. Guilherme Carvalho Cavalcante Oliveira.

segunda-feira, 9 de março de 2009

"Seguramente não sou eu:
É a tarde, talvez, assim parada
Me impedindo de pensar.
Ah, meu amigo
Quisera poder dizer-te tudo; no entanto
Preciso desprender-me de toda lembrança; de algum lugar
Uma mulher me vê viver, que me chama
Devo segui-la, porque tal é o meu destino.
Seguirei todas as mulheres em meu caminho, de tal forma
Que ela seja, em sua rota, uma dispersão de pegadas
Para o alto, e não me reste de tudo, ao fim
Senão o sentimento desta missão e o consolo de saber
Que fui amante, e que entre a mulher e eu alguma coisa existe
Maior que o amor e a carne, um secreto acordo, uma promessa
De socorro, de compreensão e fidelidade para a vida."

Vinícius de Moraes - Elegia ao Primeiro Amigo

quinta-feira, 5 de março de 2009

Enquanto isso, lá em cima...

Hoje sou meu próprio céu,

e minha aurora tem mais cores
que as pobres horas das tardes vazias.
No meu céu pairam cometas e Três-Marias,
nas minhas nuvens
diluo minhas lágrimas e meus objetos esquecidos,
que aos poucos, como pequenos comprimidos,
eu deixo escapar.
No vão que é meu céu,
correm sentimentos estranhos, raios e trovões
fugazes e poderosos,
como as paixões que um dia vivi.


por Guilherme.

quarta-feira, 4 de março de 2009

"Sinto-me forte contra a vida inteira
Neste momento.
A mim mesmo tomei a dianteira.
Sinto que não há em nada,
noite ou vento
Que estorve a minha vida aventureira."

Fernando Pessoa.

No meio desse turbilhão de emoções, mora meu coração. Cercado de forças extremas e absolutas que não faço a mínima questão de controlar. :)


por Guilherme.

segunda-feira, 2 de março de 2009

O Rei

E o instante de desespero
essa noite fez-se infinito.
Chamem o rei dessas terras,
que hoje seu reino vai saber o que é a dor.
E esse rei, que aqui vos fala,
qual um plebeu, derrama seu pranto
e com ele choram todos os seus súditos,
refletindo-se em cada olhar a solidão
que tal qual uma lei,
baixa no coração da realeza.

.

Eu não entendo. Não sei. Não sei o que me faz vir aqui toda noite escrever. Não sei porque escrevo. Sei que todas noites, me desperta um monstro, desentranhado do meu ser. Um monstro que me corrói os sentimentos e me compele para a solidão... meu carma, meu estigma. Eu traço planos, desenho casas e ruas cheias de jardins coloridos. Mas nada disso me pertence. São apenas imagens retiradas de um quadro de Van Gogh ou de um filme de romance. Ahh, os romances...! Acho que sou o legítimo poeta "fingidor" de Fernando Pessoa, que "chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente". Sou um mentiroso. Não creio em mim mesmo, mas discordo daqueles que me desacreditam. Sou hipócrita. Mas amo! Amo muito. Amo com uma violência silenciosa, daquelas arranha o estômago. Sou enfático. Se amo, amo com a certeza daqueles que não têm outra opção e para os quais o amor ainda é o mais amargo remédio. E sofro. Sofro como um mártir que nao cabe a si desenhar seu destino. Sofro porque tenho que sair de casa todo dia no mesmo horário, porque meu carro está sempre na mesma garagem, porque meu telefone nunca muda, porque sempre me ligam as mesmas pessoas, sofro com todas as banalidades do cotidiano. Sei exatamente a hora do dia em que começa a chover, e finjo que esqueci de fechar a janela do meu quarto, só pra deixar molhar. Às vezes, cogito variar os meus pecados, pra ver se não me afogo nesse tédio.
Ah, como me cansam os afazeres do homem mediano que finjo ser!

por Guilherme.

domingo, 1 de março de 2009

Queria dizer aqui algumas palavras que extrapolassem o óbvio. Que fossem além da aurora e derrubassem a barreira do tempo. Queria virar uma ampulheta de cabeça pra baixo e voltar para tempos que nunca vivi. Amores proibidos e despedidas solenes, pois sei que o horizonte é mais do que apenas um véu para o infinito. Quero uma mulher a repousar em meus sonhos. Uma mulher que me desvie do meu caminho... e que seja doce desviar-se. E mais: quero-a drástica, repentina! É disso que preciso. Neste momento, vivo a agonia dos dias ordinários. Eu quero um relógio que não marque as horas e um poema sem versos, sem nexo, onde eu possa me perder em meios às palavras soltas e às fantasias de carnaval que eu mesmo criei.
Como disse meu amigo Lucas: "o nosso leste é para poucos".

.

Sabe quando você acha que perdeu
sem ao menos ter lutado?
Que cada parte do seu futuro
é um reflexo do passado.
Você finge que esquece,
finge que não tem amor nesse coração.
Mas nem tudo que você leva consigo
está guardado na palma da sua mão.



por Guilherme.