sábado, 29 de agosto de 2009


O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.




Fernando Pessoa - Autopsicografia

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Você vai entrar pela porta que eu deixei entreaberta, há uma hora que eu não descolo os olhos da luz de neon do hall que se filtra como um prenúncio da tua chegada. Antes de você chegar como uma nuvem que vem na frente, antes de você chegar eu ouço tua ansiedade vindo, tua luz, teu som nas ruas...



Eu sei que vou te amar - Arnaldo Jabor

domingo, 23 de agosto de 2009

O grande homem atravessa o portão branco. Apesar das longas pernas que a altura lhe confere, ele tem os passos curtos. Anda numa lentidão melancólica, uma névoa de pesar afunda seus ombros. Ele tira os óculos escuros e os olhos verdes da cor de musgo mais pareciam um pântano, onde o "Gigante" deixou-se naufragar. "A benção, pai", um beijo na testa do velho. E parece que seu pai o compreende, embora finja não compreender. O velho viu que seu filho sangra, e o sentimento de incapacidade talvez justifique seu fingimento. O Gigante caminhou em minha direção e eu fiquei na ponta dos pés para alcançar-lhe o rosto. E ali eu pude sentir a sua tristeza, pois ela era proporcional ao seu tamanho. Nada perguntei a ele, nem a ninguém, e nem um comentário fui capaz de fazer. Senti-me um pequeno covarde diante da tristeza do grande homem. Deus, como dói ver quem se ama sofrer...!

domingo, 2 de agosto de 2009

O mundo em um minuto

Diante do infinito das almas
sento-me em meu chão de nada
e ponho-me a analisar tudo que vejo
sou refém de todos os detalhes sórdidos que percebo
vejo o mundo em órbitas,
formas giratórias
vivo no intenso caos de cada hora.


por Guilherme .