quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Epílogo

Nestes dias,
prezo pela inutilidade de cada momento
o teto do meu quarto queima em tons de mercúrio
e, de quando em quando,
irrompe um cometa flamejante
como em um sonho infantil de verão,
iluminando, brevemente, os espaços curtos do cômodo
enquanto flechas do sol entram pela janela
ébrias e repentinas,
numa arritmia que faz tremer minha alma
num baque surdo que sangra meus lábios
e me queima as pálpebras
numa tensão que me encharca o peito de suor febril
numa perplexidade que me espalha em mil pedaços de dúvida
como um grande espelho que se estatela no chão
num corte que me cauteriza as chagas,
num bater de asas que me afasta do destino
(ou talvez, o destino que me afasta por eu não ter asas)
numa louca e vã euforia que me lava os sonhos
e que me faz desvanecer em receios
em medos que me derramam pela correnteza
rio abaixo, de encontro ao mar salgado
num grito silencioso, para dentro de si
que me deforma a boca
numa inexatidão de formas e sentimentos
que variam entre as cores cinza e preta
numa leve bruma que mais parece olhos noturnos
cobrindo o ar com uma melancólica respiração
numa súbita tentação que me compele à solidão
tal qual uma vela que,
antes mesmo de incandescer,
já sabe que vai apagar...
e a troco de que?
ô, poema...
deixa-me dormir,
eis que a vida é curta,
mas os braços da noite são longos
e me chamam pelo Nome.
Adeus, poema.
Adeus.


nessa vagueza de gestos
dentro do círculo de passos avulsos que fiz
riscando com giz o caminho convulso
me encontro numa paisagem sem matiz
me afogando no espaço imaginário
entre a tinta e a moldura
entre o sonho e aquilo que perdura...
enquanto isso,
meus grilhões de ar me puxam de volta ao chão.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Dou uma respirada funda...
o ar me invade os pulmões como um soco.
minha alma se retorce em nós convulsos de dor
enquanto eu reinvento minhas fraquezas,
mudo de cor,
e vivo intensamente a aspereza de cada segundo
que, enquanto eu não mudo o mundo,
me trazem por vezes sorte, por vezes desamor.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Meu Norte

Que fizestes de mim, Destino?
Eu, que hei de nascer e morrer menino.
Que ousastes para mim, Destino?
Eu, que agora subo as escadarias velhas
e adentro a tua igreja,
uma igreja sem sinos.
Que tomastes de mim, Destino amigo?
Eu, que sofri com as mediocridades dos dias cinzas
e até hoje carrego tuas cruzes,
mas já nem sei se consigo.
Que iluminastes em mim, vão Destino?
Eu, que nas horas de escuridão
abriguei em minha voz o teu silêncio...
pequenino, pequenino.
Que choras em mim, Destino?
Já não sabes que não te estimo?
Que em minhas veias pálidas correm os rios,
e em minhas artérias repousam os mares,
onde todos os navios do mundo içam velas e rumam...
sem destino, sem destino.

Guilherme Cavalcante



terça-feira, 13 de setembro de 2011

There are things of which I may not speak;
There are dreams that cannot die;
There are thoughts that make the strong heart weak,
And bring a pallor into the cheek,
And a mist before the eye.
And the words of that fatal song
Come over me like a chill:
"A boy's will is the wind's will,
And the thoughts of youth are long, long toughts."


Henry Wadsworth Longfellow - Lost Youth


sábado, 13 de agosto de 2011

Antes do Sol

Vivo confinado em um corpo que não é meu,
cego pela poeira e maresia daqueles que me tecem o destino
e entrelaçam meus braços,
me deixando impotente diante do vento cinza que me corta a pele.
Queria ver meu olhar refletido na aurora,
estendido nos longos braços das nuvens
até encontrar o Grande Astro,
queimando em asas de loucura e esperança...
Mas não.
Talvez não.
Talvez isso seja mais do que eu possa esperar.
Mais do que me cede esta vil realidade,
e menos do que estou disposto a receber.


terça-feira, 19 de julho de 2011

Vulto

O silêncio irrompe o sonho,
como uma sombra covarde de vulto escarlate
e eu me permito um breve fechar de olhos, enquanto profiro sentimentos indóceis contra o vento.
A cólera salta o peito flamejante em lágrimas,
e eu esqueço daquilo que já se diluiu em minha alma,
e que hoje se envolve em detritos e calafrios...
tardios como o sol dos que se entregam à escuridão da noite.
Deixo que meus braços se encontrem com o grande nada à minha frente,
que meus pés pisem os azulejos gastos pela maresia,
e que as horas se encarreguem de consumir meu destino.
Deixo tudo aquilo que tenho que deixar,
e, ainda assim,
me sobram sentimentos supérfluos.


por Guilherme.

Música: Bob Dylan - Idiot Wind