quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Mundo


Uma vez eu vivi num mundo
onde era caro viver
e me entristecia no fundo
aquilo que só os que têm alma podem ver
vi num segundo silenciar o choro de uma criança
chorei quando me cortei na fina navalha
da vã esperança
Uma vez eu vivi num mundo
onde era escuro viver
sangrei minhas mãos por gente
que sob a pele, não existia um ser
ouvi do outro lado do mundo
o grasnar de um corvo
que mesmo cego e imundo
se alimentava das entranhas do povo
Uma vez eu vivi num mundo
onde era estranho viver
lá jazem o riso e a paz
mas os senadores e deputados
nele habitam por demais
Uma vez eu vivi num mundo
onde não havia escolha, que não morrer
pois o torpor havia dominado
aqueles que acham que a mãe devia ir, para o filho não perecer
Uma vez eu morri num mundo
onde era melhor não viver.
E eu vejo que assim...
entre aquilo que do sonho adveio
e isto que mora em mim
não resta o começo e nem o meio, apenas um fim.
Nesta realidade pueril que criei,
onde tocam sinos e anjos vertem lágrimas de sal
uma vez me lancei
destemido, menino, que tal qual
uma vez eu fui e para sempre serei.



sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Queria ser invisível
fazendo pequenos clarões entre a multidão de corpos sem alma
esbarrando em ligeiros sopros de vento,
roubando o algodão doce da garotinha na esquina da rua,
como eu queria construir mais pequenas  alegrias cotidianas
míseros detalhes, apenas notas de rodapé da vida...


domingo, 24 de junho de 2012


deitado no vácuo
e a vontade de virar ar me ocupa o pensamento
vou morrer da realidade cotidiana
se antes não flutuar, como névoa,
por todo o firmamento
e antes, me pulsa no peito o peso invisível da existência
porque eu sei que moro no templo (irreal)
entre a alma e a ciência
Há de chegar o dia em que eu,
bêbado de cólera, sonho e aguardente
vou irromper pelos caminhos desviantes
da minha própria estrada,
silente.




"And this is the house where I could be unknown
be alone now
soon the waves and I
found the rolling tide
soon the waves and I
found the rip tide." - Beirut

sexta-feira, 22 de junho de 2012


Esvaíram-se, amigo. Foram embora todos aqueles anos de ira silenciosa, impúbere, que me tomavam o seio da alma. Sinto hoje como se me tivesse sido subtraída toda rebeldia da saudosa adolescência. Que saudade de minha adolescência! Do meu olhar de passarinho, vendo o mundo através da lente da alma... eu sentia sem saber. Como um sonho, que, mesmo com todo esforço da vida, não consigo me lembrar como foi... 

quarta-feira, 23 de maio de 2012

E toda alegria postiça,
esse falso êxtase
a fantasia acomodada no momento fútil...
isso vai passar.
Diante da felicidade genuína
do mar lavando os pés e a maresia arranhando o rosto,
fez-se dissolvida a fotografia do momento de euforia,
fez-se morto o reino da ilusão fingida,
e posto o reino da ilusão espontânea e fugás,
que essa sim,
mora no âmago da vida,
e por mais efêmera que seja,
não passará jamais.

terça-feira, 15 de maio de 2012


com todos os meus ossos em farelos
uma brisa leve ruge e espalha o pó pela rua deserta
o som vazio das sombras ecoa no meu ouvido
e eu, peito aberto, suor nos olhos
aguardo o minuto surdo da hora incerta.
O último samba da noite acabou de tocar.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Pra ti

"É assim que nesta imensidade afogo o pensamento: e o naufrágio é doce neste mar."

Hoje eu tirei o dia pra ti
abri a janela e encarei a madrugada sem fim
com meu peito arranhado pelas mãos da distância.
Chorei, na vã esperança de te ver na minha varanda
ou de te ler nas entrelinhas de alguma estrela
e senti todo meu sangue pulsar,
implorando tua presença,
senti minha pele se enrugar,
envelhecendo anos e anos por causa da tua ausência.
Oh, menina!
As plantas respiram teu ar, o fogo consome tua alma
e a vida se refaz no teu sorriso.
Parem tudo, deixem tudo exatamente no mesmo lugar!
Pois quando passas, tudo se irreleva,
tornando-se mera paisagem atrás da tua sombra,
e quando tu me envolves o coração com cânticos e poemas de verão
é como se a infância retornasse à minha alma,
com minhas ilusões e sonhos de menino,
cheio de pequenos sorrisos e infinitas alegrias.
Se derramas uma lágrima, me é caro,
e sinto minha vida sendo tomada por um inverno cruel.
Mas não! Não vim aqui pra falar de tuas lágrimas!
Vim te dizer o quanto te amo,
e como vejo teu olhar em cada gota da chuva,
vim te mostrar como tua luz me guia por esse túnel escuro que é a vida,
Vim te dizer que acredites,
acima de tudo, meu amor, acredites
que, quando o sol bate forte nos meus olhos,
só os fecho porque tenho uma imensa certeza:
de que, ao fechá-los, a imagem do teu rosto virá, límpida e certa, ao meu encontro.

Guilherme Cavalcante