quarta-feira, 6 de novembro de 2013

I look upon a pinhead and I see angels dancing.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

A Fera (Instinto)

Tal qual o soldado que da guerra torna
alma aos pedaços
em pequenos recortes opacos,
marcha o Homem,
cada vez menos Homem,
cada vez mais Fera.
Imune às dores do amor
incoercível frente aos rogos do coração,
segue ele, a passos de colosso,
rumo às trevas permanentes
desse mar sem vida,
somente escuridão.
Não há no Universo ser igual:
que do próprio irmão verte o sangue,
em profunda cólera;
e da terra que semeia
suga a alma e a devora,
à saciedade, como só ele é capaz.
O Homem. A Fera.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

My heart leaps up when I behold
A rainbow in the sky:
So was it when my life began;
So is it now I am a man;
So be it when I shall grow old,
Or let me die!
The Child is father of the Man;
I could wish my days to be
Bound each to each by natural piety. (William Wordsworth)

-

Meu coração bate mais forte ao ver
O arco-íris no céu sugir:
Assim foi no início de minha vida,
Assim é, metade dela corrida,
Assim seja quando envelhecer,
Se não a morte irei preferir!
O Menino é o pai do Homem;
Queria que meus dias fossem, afinal,
unidos um a um pela piedade natural. (Tradução: Alberto Marsicano)

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Minha liturgia

sob o jugo de Deus,
a mim só me resta a angústia.
de dia sou cristão,
mas a noite quando até o véu em si escurece
a ninguém engano: quem me olha, me diz pagão.
me apego ao terço, livro e à Santa
não sou eu de maldar, maldizer ou amaldiçoar
apenas rogo, no silêncio entre meus botões,
que sobre mim não recaia
 a ira dos que não me veem rezar.
aquele que me lê, julgando meu verso por ironia,
a si mesmo desafia: vê só este! mal lá conhece a liturgia!
mas dentro de mim mora este ser:
que, resoluto e em silêncio,
apenas crê.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

as eras que passam,
mas são os minutos que corroem.
o infindável ruído do relógio pendurado à parede amarelada
a mim me parece como o sol que derrete em gotas inflamáveis
os segundos do dia
esparramados na mesa de jantar.
e eu, criatura estática
prostrado diante do caos silencioso que impera,
receio o embate contra o Tempo.
sou um desertor.
alheio-me desse corpo para me apossar da minha alma
tênue e opaca, a vagar por alguma cidade fantasma
tal qual o dono...

terça-feira, 2 de julho de 2013

Fim de tarde

tenho vivido dos pequenos contentamentos diários...
minha vida se resume ao minuto por vir.

terça-feira, 25 de junho de 2013

achei no breu do silêncio o momento da Verdade
sem o caos das vozes,
os espaços vazios de tudo e qualquer coisa,
minha respiração transborda o ar
minha letra se desenha
e meu Universo se expande.
Que meu espírito se dilua no vento antes que alguém me encontre.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Todo homem deve escolher um momento do dia para perscrutar o seu eu. O maior covarde é aquele que foge do confronto com a solidão, e recorre, invariavelmente, ao intuitivo agrupamento em multidões. Esse instinto de sobrevivência que associa os homens, muitas das vezes os mata, ao distanciá-los de si mesmos.


terça-feira, 19 de março de 2013

Do outro lado

o alívio que causa o desprendimento da alma
a transpiração dos princípios fúteis
queria levar uma vida moralmente frugal,
apenas por um dia.
Dilacerar a noção de espaço em invisíveis universos
absorver em ínfimas porções de oxigênio
somente o necessário ao suspiro de alívio
e correr, correr nos infinitos campos e vales
de um país que eu nunca conheci,
despido dos olhares perscrutadores
dos homens mesquinhos
que hoje me arranham a pele.

quarta-feira, 13 de março de 2013

O homem comum

no claustofróbico cômodo
o tapete empoeirado
e sobre a mesa o pão embolorado
rezam a prece fúnebre do cidadão
homem malsão,
de músculos retesados
e face queimada pelos poucos,
ainda que poucos,
feixes de sol a adentrar o cômodo.
Claustrofóbico.
Onde a alma do cidadão sobrevive da antropofagia do cotidiano.



sexta-feira, 1 de março de 2013

Dia que segue

me desapego desse consolo
sou atordoado a visão do vento
fluido e ligeiramente tépido
uma das melhores futilidades da vida:
nunca perder de vista
as sutilidades do dia.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O Convidado

Vesti meu melhor smoking. A ocasião pedia tal distinção, e a mim não caberia destoar dos demais presentes. Chamo o táxi e digo ao motorista que o guie até o meu enfadado destino, contando os tostões que ainda tenho na velha carteira de couro batido. Nossa! Nunca pensei que o evento fosse se dar num local tão suntuoso: uma mansão rústica, com um imenso jardim de frente, onde um querubim apoiando-se sobre um pé figurava solitário sobre uma fonte de água. "Burlesco!" - penso eu, em um pretensioso lapso aristocrata. "Senhor ***?" - inquere-me, quase que ameaçadoramente, o jovem e corpulento recepcionista, como que ansioso para impedir minha entrada. Respondi afirmativamente, entregando-lhe meu convite. O salão era esplendoroso, com lustres dourados iluminando todo o recinto e mesas muito bem servidas de comes e bebes típicos da classe burguesa que outrora fui integrante proativo. Há quanto tempo não me sirvo de um Jack Daniels! "Garçom, três pedras de gelo devem bastar". Acendo meu primeiro cigarro e entorno um gole de whisky. Sinto-me naqueles tempos novamente! Ouço ao fundo o som de Charlie Parker tocando e toda aquela bruma de romantismo e mistério me envolvem novamente a visão; todo o torpor da fantasia parece flutuar diante de meus olhos, me sugando diretamente pro nada. Mas que assim bastasse! Um saxofone, uma dose de whisky e a névoa de um cigarro sempre aplacaram a excessiva fluidez da alma de um homem em seu corpo terreno. Ponho-me a vigiar o lugar. Sou o observador taciturno no canto do salão. A senhora na mesa ao lado, transpirando toda sua banalidade em escandalosas risadas e jóias requintadas. O marido, provável industrial do ramo de plantação de milho e soja, já não a satisfaz como há 19 anos, antes de terem o primeiro filho. Pobre alma. Do outro lado, o pequeno intelectual, com seu casaco de tweed, lentes redondas nos óculos e olhos semicerrados, como se estivesse, a todo momento, perscrutando uma obra de Dostoiévski que nunca leu. O anfitrião cruza à minha frente, forçando-se a me lançar um sorriso cortês, porém isosso. Homem de ombros largos e barba espessa, sempre no centro das rodas de conversa, falando sobre Paris, bourbons, cavalos de corrida e bolsa de valores. Gentil com os convidados, austero com os netos e rude com os subordinados. Aos olhos da sociedade, um merda de gentleman. Como são complacentes os cidadãos para com aqueles que os têm sob o cabresto, dá-lhes migalhas do pão de ontem e guarda o pão de hoje para si! Eis que olho para o palco, uma singela lona num canto do salão, perto da grande escada de mármore branco. Vejo um homem, negro, trajando um smoking branco e assoprando suavemente um saxofone. De olhos fechados, por ele passam despercebidas a decadência, a podridão e todo o odioso aroma blasé que paira sobre o local. Escapam do seu tato, em razão do estado de transe causado por sua melodia, tudo aquilo quanto supérfluo daquele ambiente. E o que não seria supérfluo diante da sua música? "Deixem o homem tocar!" - exclamo eu, silenciosamente, em pensamento. Deixem que aquele homem, absorto na sua alma, transcenda este universo trivial dos que fumam charutos cubanos em suas mansões; dos que sentam em suas poltronas para viver a vida da televisão; dos que apostam em cartas e dados; dos que transam com prostitutas em becos escuros, por medo da própria lascívia. Penso em cumprimentar o saxofonista pela esplendorosa atuação, mas desencorajo-me. Bebo rapidamente o que restava do whisky e procuro a porta de saída. Desço, um pouco trôpego, os degraus que se dirigem à praça onde fica a grotesca fonte com o querubim e nela me sento um pouco. E me ponho a olhar para os astros, divagando sobre sua infinitude e outras banalidades trazidas à tona pelo álcool. Espero ainda ter dinheiro para a volta no táxi.