terça-feira, 24 de novembro de 2009

Prece

horas devoradas pela realidade,
o Homem da Capa Preta ataca novamente
com seu toque de sombra e seu olhar de censura
orai, irmãos!
somos a face obscura,
o elo perdido...
esperamos o braço nunca estendido
rezem, irmãos!
não há liberdade fora do sonho.


Guilherme.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Prefácio

Não há luz na estrada. Tenho os pés grandes de tanto caminhar. Rumo a tudo que eu não vejo, rumo ao nada. Vejo vultos e sonhos pelo chão, em pedaços, migalhas. Tenho cortes nas mãos e as roupas imundas. Maltrapilho. Pele queimada das horas de dor, olhos aflitos, coração inerte. Quedou-se minha prosa, meu lirismo, meu pôr-do-sol é negro e sarcástico. Durmo na grama verde, embaixo de macieiras. Passa um passarinho, passam dois, quem fica aqui é porque não sabe voar. Eu não vôo, embora sonhe. Emprego não, família não, fortuna não (desconhecida, até o momento). De mim, sei quase nada, dos outros menos ainda, e em nada deixo de perder. Não há vida fora da dúvida. Ego, superego,alterego. Quanto ego! Não conto com a sorte. Nem com azar. Fé, poder, equilíbrio, auto-ajuda, bla,bla, bla. Displicência quanto ao supérfluo. Displicência acima do bem e do mal. Bem. Mal. Tudo a mesma coisa. Coisa: tudo aquilo que não tem nome (esqueci o autor dessa frase). Eu tenho mil coisas na minha cabeça, no meu peito. Coisas que esqueço o que são, que não sei o que são. E que prefiro nem dar nome. Não sei se fui claro. Espero que não.


terça-feira, 8 de setembro de 2009

Tenho muitas coisas mal resolvidas. Cartas a responder, palavras nunca ditas, sentimentos nunca sentidos, enfim, todo tipo de assuntos pendentes. Possuo uma dívida eterna comigo mesmo, dívidas esta que eu procuro, através de todas as maneiras, quitar. Mas parece que é impossível. Como num daqueles quebra-cabeças que falta uma peça, e você tenta num impulso infantil de querer resolver algo de qualquer maneira, substituir a peça ausente por qualquer outra do quebra-cabeças. Mas isso é impossível. A peça, assim como todo sentimento, é único e insubstituível. O que pode ocorrer são apenas meras semelhanças, como entre o desamor e o desprezo, mas nada que possa vir a preencher a lacuna deixada por algo que nunca existiu.

- Você sofre de antropofagia sentimental crônica. Sim, sim. Daí explica-se a constante sensação de vazio em seu estômago e o estado de sonolência nas horas solitárias do dia. Todas as horas são solitárias? Sim, senhor, talvez a melancolia das multidões cause em você essa solidão. Paradoxal? Com certeza, mas se fosse coerente não seria uma patologia, certo? Assim que houver um tratamento adequado, você será avisado, senhor. Passar bem.

sábado, 29 de agosto de 2009


O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.




Fernando Pessoa - Autopsicografia

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Você vai entrar pela porta que eu deixei entreaberta, há uma hora que eu não descolo os olhos da luz de neon do hall que se filtra como um prenúncio da tua chegada. Antes de você chegar como uma nuvem que vem na frente, antes de você chegar eu ouço tua ansiedade vindo, tua luz, teu som nas ruas...



Eu sei que vou te amar - Arnaldo Jabor

domingo, 23 de agosto de 2009

O grande homem atravessa o portão branco. Apesar das longas pernas que a altura lhe confere, ele tem os passos curtos. Anda numa lentidão melancólica, uma névoa de pesar afunda seus ombros. Ele tira os óculos escuros e os olhos verdes da cor de musgo mais pareciam um pântano, onde o "Gigante" deixou-se naufragar. "A benção, pai", um beijo na testa do velho. E parece que seu pai o compreende, embora finja não compreender. O velho viu que seu filho sangra, e o sentimento de incapacidade talvez justifique seu fingimento. O Gigante caminhou em minha direção e eu fiquei na ponta dos pés para alcançar-lhe o rosto. E ali eu pude sentir a sua tristeza, pois ela era proporcional ao seu tamanho. Nada perguntei a ele, nem a ninguém, e nem um comentário fui capaz de fazer. Senti-me um pequeno covarde diante da tristeza do grande homem. Deus, como dói ver quem se ama sofrer...!

domingo, 2 de agosto de 2009

O mundo em um minuto

Diante do infinito das almas
sento-me em meu chão de nada
e ponho-me a analisar tudo que vejo
sou refém de todos os detalhes sórdidos que percebo
vejo o mundo em órbitas,
formas giratórias
vivo no intenso caos de cada hora.


por Guilherme .