quinta-feira, 9 de setembro de 2010

enquanto isso, eu me vejo aqui deitado
com meu olhar de mártir
fixado em astros de vidro que se sustentam no ar
eu, que outrora os via com uma intensidade infantil
de quem julga eterno tudo aquilo que não compreende.
eu que já me vi encrostado pela dor excruciante
das horas de distração,
violentamente roubados da minha alma
por aqueles de ideias cínicas e sentimentos furtivos
que se alimentam de minha melancolia de menino-adolescente,
que se avizinham da minha pequena casa no campo,
onde nasci envolto pelo fogo e pela noite
onde aquece em mim toda a solidão
do homem que já nasce presciente do seu destino
de viver confinado em um corpo de mártir
daquilo que só ele pode sentir.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

"A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
Que eu já tô ficando craque em ressurreição.
Bobeou eu tô morrendo
Na minha extrema pulsão
Na minha extrema-unção
Na minha extrema menção
de acordar todo dia
Há dores que eu sinceramente não resolvo
sinceramente sucumbo
Há nós que não dissolvo
e me torno moribundo de doer daquele corte
do haver sangramento e forte
que vem no mesmo malote das coisas queridas
Vem dentro dos amores
dentro das perdas de coisas antes possuídas
dentro das alegrias havidas

Há porradas que não têm saída
há um monte de "não era isso que eu queria"
Outro dia, acabei de morrer
depois de uma crise sobre o existencialismo
3º mundo, ideologia e inflação...
E quando penso que não
me vejo ressurgida no banheiro
feito punheteiro de chuveiro
Sem cor, sem fala
nem informática nem cabala
eu era uma espécie de Lázara
poeta ressucitada
passaporte sem fala
com destino de nada!

A gente tem que morrer tantas vezes durante a vida
ensaiar mil vezes a séria despedida
a morte real do gastamento do corpo
a coisa mal resolvida
daquela morte florida
cheia de pêsames nos ombros dos parentes chorosos
cheio do sorriso culpado dos inimigos invejosos
que já tô ficando especialista em renascimento

Hoje, praticamente, eu morro quando quero:
às vezes só porque não foi um bom desfecho
ou porque não concordo
Ou uma bela puxada no tapete
ou porque eu mesma me enrolo
Não dá outra: tiro o chinelo...
E dou uma morrida!
Não atendo telefone, campainha...
Fico aí camisolenta em estado de éter
nem zangada, nem histérica, nem puta da vida!
Tô nocauteada, tô morrida!

Morte cotidiana é boa porque além de ser uma pausa
não tem aquela ansiedade para entrar em cena
É uma espécie de venda
uma espécie de encomenda que a gente faz
pra depois ter um produto com maior resistência
onde a gente se recolhe (e quem não assume nega)
e fica feito a justiça: cega
Depois acorda bela
corta os cabelos
muda a maquiagem
reiventa modelos
reencontra os amigos que fazem a velha e merecida
pergunta ao teu eu: "Onde cê tava? Tava sumida, morreu?"
E a gente com aquela cara de fantasma moderno,
de expersona falida:
- Não, tava só deprimida."

(texto escrito por Elisa Lucinda, chamado "No elevador do filho de Deus")

terça-feira, 24 de agosto de 2010

The Times They Are A-Changin'






the sky for me
is a pleasant gray
meanin' rain
or meanin' snow
constantly meanin' change
but a change forewarned
either t' the clearin' of the clouds
or t' the pourin' of the storms
an' after it's desire
returnin'
returnin' with me underneath
returnin' with it
never fearful
finally faithful
it will guide me well
across all the bridges inside all tunnels
never failing...


Bob Dylan

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Capítulo I - Das Iniquidades

Há em cada um de nós um Imperador,
um Déspota sem luz
que não mata para não macular seus trajes de realeza
mas manda matar com uma precisão cirúrgica, num corte único e seco.
Há em nós o Déspota,
aquele que vê e consente
aquele que sente e desmente.
Que vira a face ao deparar-se com a injustiça,
pois a vida e morte alheia não lhes são caras
e não superam, em relevância social,
números e estatísticas.
Quanta tirania.
Aquele que isola-se no alto da torre tem as mãos tão ensaguentadas quanto as daquele que crava o punhal.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Dor

estou no topo da montanha,
me sinto sufocado
com meus dedos gelados envoltos nos cotovelos.
de tudo o quanto a minha alma corrói,
a hipotermia é o que menos me dói.
o ar é denso,
tanto quanto era densa
a (efêmera) alegria intensa
que um dia me tocou.
hoje, eu sou o frio
a escuridão,
sem poema e nem prosa,
e qualquer vento que sopra
a minha pele arranha.
eu sou o nada
que se desfez pela chama,
hoje mesmo,
Eu sou a montanha.


"The messenger becomes the message."

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Mantra de um Poeta

não há a intenção de ser bom naquilo que se escreve.
não há arte ou poesia que nos seja palpável.
existe, apenas, aquilo que se vê com os olhos aflitos,
aquilo que só podem ver aqueles que agonizam diariamente,
com a necessidade premente de algo novo.
como um surto, um vírus ou uma fatalidade.
e é dessas fatalidades diárias que sobrevive o homem que escreve.

Guilherme Cavalcante

-

"Perfection, of a kind, was what he was after,

And the poetry he invented was easy to understand;

He knew human folly like the back of his hand,

And was greatly interested in armies and fleets;

When he laughed, respectable senators burst with laughter,

And when he cried the little children died in the streets."

W. H. Auden - Epitaph on a Tyrant












quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Ópera

Início

A vida dorme no porão da minha consciência.
Enquanto isso,
minha alma insurge-se contra meu corpo,
em cortes rápidos e furiosos.
Diante do mar em fúria das minhas ideias céticas,
construo minha pequena canoa...
quanto desgaste...
e num impulso imediato,
como numa reação involuntária dos meus músculos,
eu me lanço violentamente contra a grande onda.


Início II
De repente, a vida me arrebata covardemente
e quando me dou conta,
estou deitado no chão da varanda.
eu não quero beber, não quero fumar ou mesmo festejar...
quero apenas encarar os monstros de tijolo, cimento e cal
que me rodeiam...
e o eterno tilintar das estrelas acima de mim.
Início, Meio e Fim
Olhos de solidão. Dorme o Homem.