terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O Convidado

Vesti meu melhor smoking. A ocasião pedia tal distinção, e a mim não caberia destoar dos demais presentes. Chamo o táxi e digo ao motorista que o guie até o meu enfadado destino, contando os tostões que ainda tenho na velha carteira de couro batido. Nossa! Nunca pensei que o evento fosse se dar num local tão suntuoso: uma mansão rústica, com um imenso jardim de frente, onde um querubim apoiando-se sobre um pé figurava solitário sobre uma fonte de água. "Burlesco!" - penso eu, em um pretensioso lapso aristocrata. "Senhor ***?" - inquere-me, quase que ameaçadoramente, o jovem e corpulento recepcionista, como que ansioso para impedir minha entrada. Respondi afirmativamente, entregando-lhe meu convite. O salão era esplendoroso, com lustres dourados iluminando todo o recinto e mesas muito bem servidas de comes e bebes típicos da classe burguesa que outrora fui integrante proativo. Há quanto tempo não me sirvo de um Jack Daniels! "Garçom, três pedras de gelo devem bastar". Acendo meu primeiro cigarro e entorno um gole de whisky. Sinto-me naqueles tempos novamente! Ouço ao fundo o som de Charlie Parker tocando e toda aquela bruma de romantismo e mistério me envolvem novamente a visão; todo o torpor da fantasia parece flutuar diante de meus olhos, me sugando diretamente pro nada. Mas que assim bastasse! Um saxofone, uma dose de whisky e a névoa de um cigarro sempre aplacaram a excessiva fluidez da alma de um homem em seu corpo terreno. Ponho-me a vigiar o lugar. Sou o observador taciturno no canto do salão. A senhora na mesa ao lado, transpirando toda sua banalidade em escandalosas risadas e jóias requintadas. O marido, provável industrial do ramo de plantação de milho e soja, já não a satisfaz como há 19 anos, antes de terem o primeiro filho. Pobre alma. Do outro lado, o pequeno intelectual, com seu casaco de tweed, lentes redondas nos óculos e olhos semicerrados, como se estivesse, a todo momento, perscrutando uma obra de Dostoiévski que nunca leu. O anfitrião cruza à minha frente, forçando-se a me lançar um sorriso cortês, porém isosso. Homem de ombros largos e barba espessa, sempre no centro das rodas de conversa, falando sobre Paris, bourbons, cavalos de corrida e bolsa de valores. Gentil com os convidados, austero com os netos e rude com os subordinados. Aos olhos da sociedade, um merda de gentleman. Como são complacentes os cidadãos para com aqueles que os têm sob o cabresto, dá-lhes migalhas do pão de ontem e guarda o pão de hoje para si! Eis que olho para o palco, uma singela lona num canto do salão, perto da grande escada de mármore branco. Vejo um homem, negro, trajando um smoking branco e assoprando suavemente um saxofone. De olhos fechados, por ele passam despercebidas a decadência, a podridão e todo o odioso aroma blasé que paira sobre o local. Escapam do seu tato, em razão do estado de transe causado por sua melodia, tudo aquilo quanto supérfluo daquele ambiente. E o que não seria supérfluo diante da sua música? "Deixem o homem tocar!" - exclamo eu, silenciosamente, em pensamento. Deixem que aquele homem, absorto na sua alma, transcenda este universo trivial dos que fumam charutos cubanos em suas mansões; dos que sentam em suas poltronas para viver a vida da televisão; dos que apostam em cartas e dados; dos que transam com prostitutas em becos escuros, por medo da própria lascívia. Penso em cumprimentar o saxofonista pela esplendorosa atuação, mas desencorajo-me. Bebo rapidamente o que restava do whisky e procuro a porta de saída. Desço, um pouco trôpego, os degraus que se dirigem à praça onde fica a grotesca fonte com o querubim e nela me sento um pouco. E me ponho a olhar para os astros, divagando sobre sua infinitude e outras banalidades trazidas à tona pelo álcool. Espero ainda ter dinheiro para a volta no táxi.

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